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“Música deve ser política”: uma entrevista com Aïsha Devi

Seu álbum Hakken Dub/Throat Dub é gutural e xamânico. Na tradição oriental, a música é conectada com a espiritualidade.

A música faz parte do mundo espiritual e tem uma grande influência na cura e no bem-estar. Pois é tudo sobre frequências…Cada tom da voz causa um impacto diferente no corpo.

 

Você teve formação vocal. É difícil transitar entre os diferentes modos do canto, de um canto mais meditativo ao “clássico modo” ocidental? Voce pesquisa estas diferentes técnicas?

Quando se faz música, você está constantemente aprendendo. Não é possível dizer a si mesmo ‘Agora estou completa’. Durante vinte anos fui treinada no método europeu com a técnica soprano, que já é baseada na respiração, porém centrada no controle da sua voz. É uma técnica muito exigente. A voz na ópera possui muitas regras, então você está sempre cantando como se estivesse restrito à uma caixa. Eu cantava deste jeito e tentava colocar isso na minha música, mas quanto mais eu fazia musica, mais eu precisava explodir essas restrições. Eu sabia como cantar como uma soprano e cantei em muitos corais peças de clássicos como Mozart e Beethoven. Então percebi que eu realmente precisava quebrar essas regras. Quanto mais eu experimentava com a minha voz, melhor eu me sentia. Mesmo cinco anos atrás eu usava minha voz como um instrumento que se esticava, que se quebrava. Eu não considerava a minha voz como algo sagrado. Eu realmente gosto da ideia de “quebrar” a minha voz, e de quebrar as regras da voz. Desde de que comecei a meditar, cinco ou seis anos atrás, sinto com se algo tivesse se aberto em meu cérebro, e não há caminho de volta.

Eu cantava mantras e fazia ‘zumbidos’ com frequência. Quanto mais mantras eu fazia desta maneira, mais o cérebro se colocava em outra vibração. Não é esotérico, é puramente matemático e neurobiológico. Cada vez menos eu consigo cantar do ‘modo europeu’. É também uma questão de harmonização. Ravi Shankar explicou isso muito bem. Na Europa temos as escalas de quintas, sétimas, temos harmonias especificas. Mas na Índia ou no Oriente, a escala é totalmente diferente. E a partir deste ponto de vista a escala é mais conectada à uma viagem cerebral extraordinária. Isso significa que seu cérebro não está sendo restringido por uma escala, e pode escapar, viajar e se conectar com a natureza e seus elementos. É uma jornada fantástica, estou aprendendo todos os dias.

 

Você também escolheu seu nome cívico como o nome deste projeto. Isso se relaciona com a busca por suas raízes e identidade? 

Cada músico tem a sua própria jornada. Para mim, a música é como um iniciador. É como viajar e ir tentando encontrar a verdade e o conforto na vida. Quando se é músico, ou artista, há algo que não vai muito bem no seu mundo. Eu tive o impulso de me expressar musicalmente. Eu me virei em direção a esta cultura, também fazendo muita meditação quando viajei à India, já que não conheço meu pai. Ele é indiano-nepalês com raízes tibetanas e de Burma (Mianmar) e agora comecei a procurar por ele. Talvez ele não esteja mais vivo. Esta busca pela minha própria identidade correspondia com as mudanças em mim mesma e na minha música. Tudo me dizia para ser a mim mesma, ser o meu próprio filtro para este mundo, pegar o meu nome de volta e recomeçar nua. Ao mesmo tempo, a identidade não é tão importante. É um alibi fantástico para descobrir esta cultura e esta parte que está em mim, mas eu nunca me sentirei confortável neste mundo, de qualquer jeito. Isto não é baseado em descobrir quem se é, é muito mais sobre perceber quem somos como um coletivo humano e retornarmos aos nossos rituais.

 

Isto é interessante, que por um lado você tem esta faceta espiritual, com suas raízes orientais, porém por outro lado, seu avô era um físico na Suíça. Sua história me parece fascinante. 

É apenas uma família disfuncional, como qualquer outra família. Eu cresci com a minha avó, então viajei muito com ela quando era criança. Ela faleceu há 3 meses atrás. Há muito sobre ela no meu próximo álbum. São muitos sentimentos diferentes que são fruto daquela infância isolada. Visitar muitos países abriu a minha cabeça naquela idade. Aquela solidão me encorajou a ter esses diversos mundo imaginários na minha cabeça. Minha mãe era uma hippie, minha meia irmã é jamaicana. De certa maneira, é como ter o mundo inteiro na família, o que é fantástico porque significa que não existe apenas uma perspectiva, mas centenas delas. É isto que estou aplicando na minha vida e na minha música. Todo mundo tem uma perspectiva diferente e a ideia é não julgar esta outra perspectiva, mas tentar trazê-las todas juntas. Meu avô era físico, mas ele sempre teve um grande interesse pelas artes e era amigo de Carl Gustav Jung. Ele era uma pessoa muito espiritual. A maioria dos físicos são pessoas incríveis, são apaixonados pelo mundo e pelo cosmos. São, talvez, os primeiros a entender que o cosmos é apenas uma coisa relativa e que vivemos uma ilusão visual, tudo pode ser transformado em outra coisa. É muito interessante contar com a física e tentar entender o mundo por uma perspectiva física. Não é tão distante assim dos textos escritos em 2.000 a.c. em Veda. A Metafísica é muito importante para mim.

 

Então você também segue os últimos desenvolvimentos do CERN? O nosso futuro é uma preocupação?

Na verdade estou cheia de esperança. Acho que vai ser um momento fantástico. Eu moro muito perto do CERN. Meu avô também trabalhou lá. Eles sabem muitas coisas sobre anti-matéria e coisas que os europeus não querem muito saber. Não é bom para o capitalismo, mas isso chegará.

 

Trecho da entrevista de Aisha Devi para o site da SHAPE Platform. 09/06/2015

http://shapeplatform.eu/2015/aishadeviinterview/